domingo, 7 de abril de 2013

Um país amassado


Feliciano e o Brasil das dependências de empregada

FLÁVIO ARANTES

Dois assuntos se destacaram no noticiário nacional na última semana, o pastor da Assembleia de Deus Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e a PEC das Domésticas.

A PEC tenta dar fim a um traço escravagista que o Brasil cordial negligencia há décadas. Lembro-me de um artigo de Fernando Rodrigues, na Folha de S. Paulo, sobre como as dependências de empregada, item essencial em apartamentos de classe média e de luxo nos “avançados” grandes centros, são um símbolo do nosso coletivo de catre para com as domésticas. Texto antigo. Quase sem nenhuma repercussão à época.

Feliciano é deputado federal do PSC por São Paulo, o mais rico estado do país. Um homem controverso mesmo antes de suas últimas declarações. As afirmações de que a comissão, antes dele, era dominada por “satanás” e que o Brasil vive uma “ditadura gay” não se comparam a um vídeo recente. Nele, o pastor, durante um culto, pede a senha do cartão de crédito a um fiel. "É a última vez que eu falo. Doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar e vai falar que Deus é ruim.”

Istoé estampou, em sua edição da semana passada, que Feliciano afronta o Brasil. Será? Assim como o antigo artigo de Fernando Rodrigues sobre nossas dependências de empregada não nos inflamou, o vídeo de Feliciano também virou ontem muito cedo.

Na verdade, desde que assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o que se vê, com raras exceções, é uma voz única na mídia para achincalhar Feliciano. E como diz a já batida máxima de Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra.” Ainda que o pastor/deputado não colabore, o contraditório, que deveria ser uma cláusula pétrea dos meios de comunicação, foi para o lixo da maioria das redações. Para não ir muito longe, leiam o que escreveu Jorge Bastos Moreno, colunista de O Globo: “Mãe de Feliciano foi a maior aborteira do país. Por que Feliciano sobreviveu? É que casa de ferreira, espeto é de pau!”

Quanto à PEC, o Congresso já se move para mudá-la e desonerar os patrões. Janio de Freitas, em sua coluna de quinta passada, diz que só com pressão a nova lei será cumprida de fato. Mas pressão de quem? Ou você acredita que veremos manifestações em Brasília e pelo país como as da “Marcha da Maconha” e pela “Paz”?

Em seu desabafo após a avalanche de críticas, Feliciano disse que “não há limites para a crueldade humana”. Concordo. Vale para o linchamento que sofre sem contraditório. Vale para a humilhação a que sujeitou o fiel de sua igreja.

O pastor, o deputado, a PEC das Domésticas em risco, o uníssono da mídia jogando mais uma vez luz no nosso Brasil arcaico me fazem lembrar Einstein. “Só há duas coisas infinitas, o Universo e a estupidez humana. Quanto ao Universo, não tenho certeza.”

Eliane Catanhêde escreveu que, como Tiririca, crucificação de Feliciano pode transformá-lo num novo campão de votos. Duvida? Já há até campanha para fazer do pastor candidato a presidente. Quantos votos ele terá das domésticas?

2 comentários:

  1. Antônio Arantes, vamos ao contraditório. Sou Pastor, filiado à Convenção Batista Brasileira, além de Advogado, militante. No início do século passado, teve início no Brasil o movimento denominado de Pentecostalismo, marcado por uma busca incessante pelo afastar-se de condutas que fossem consideradas ruins, individual e coletivamente. Traço marcante desse movimento era a ênfase no ato de orar(rezar em voz muito alta), e de assumir comportamentos emocionalistas. Até aí, nada que pudesse envergonhar o Brasil, que fosse contra direitos humanos, respeitabilidade e dignidade do homem. Foi então que, na década de 50, surgiu o Neo Pentecostalismo. Uma praga teológica, que abdicou das orientações bíblicas para focar no lucro. Daí surgem Universal do Reino de Deus e afins. Desbota-se o evangelho do Cristo que manda amar, para lhe dar traços, contornos, materialistas, humanistas e seculaistas. O Neo Pentecostalismo, sob o "manto" do lucro financeiro, invadiu os pulpitos de Igrejas que, antes, defendiam apenas o amor e o serviço ao próximo. Esse foi o caso de Batistas, Congregacionais, e de Assembleanos, também. Claro que não de forma generalizada, mas, hoje, dentro de cada denominação religiosa(Igreja), há os adeptos do materialismo. Feliciano representa esses desviados da essência do evangelho, que está dentro das Igrejas, mas que não é respeitado por cristãos sérios. Em Igrejas de minha cidade, João Pessoa/PB, Feliciano já praticou coisa muito pior que pedir senha de cartão doado. Ele é uma anomalia produzida pelo Neo Pentecostalismo, mazela lamentável, que envergonha os que tentam seguir a Cristo, na medida em que são confundidos com ele. A entrevista de José Wellington à Folha, após sua reeleição para o cargo de Presidente da CGADB, revela o desejo de não diminuir sua bancada assembleana de 28 para 27 Deputados, e não um apoio à pessoa de Feliciano. Não somos como Feliciano, nem achamos que negros e homossexuais são menos que qualquer ser humano, mas iguais a mim e a você. O Brasil que tem saudosistas da escravatura negra, que já almeja minorar a Vitória dos domésticos é o mesmo que precisa aprender, crescer, evoluir e rejeitar anomalias como Feliciano.

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