domingo, 28 de abril de 2013

Mercurial

Imagem: Gig.gov.pt

A dentista arde em fogo e o termômetro quebra

POR FLÁVIO ARANTES

“Infelizmente, mais um jovem”, disse Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, ao saber que o responsável por atear fogo e matar queimada uma dentista no ABC paulista era um rapaz de 17 anos. O mesmo Alckmin que quer reduzir a maioridade penal para 16 anos. Uma cortina de fumaça, que parte da mídia comprou, lançada por ele após outro crime juvenil horrendo: o assassinato com um tiro na cabeça do universitário Victor Hugo Deppman, na porta de sua casa em São Paulo, por um adolescente que fez 18 anos dois dias após a execução, em 10 de abril.

Estatísticas e estudos estão aí em abundância para jogar na nossa cara o aumento desenfreado da violência envolvendo jovens. Relatório do Cebela (Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos) revela que a taxa de homicídios entre a população total cresceu 276% de 1980 a 2010; entre os de 15 a 29 anos, 365%.

Outro levantamento do Cebela mostra um crescimento de 375% no número de mortes por arma de fogo entre jovens até 19 anos de 1980 a 2010. A participação de óbitos de jovens entre o total da população evoluiu 1440% no mesmo período. Guarde este número: 1440%!

Ao inflamar uma discussão sobre reduzir a maioridade penal, o que vejo é o mercúrio do termômetro quebrado. Alckmin e quem defende sua proposta miram a consequência, e não a causa. .

A desestruturação juvenil tem raízes muito mais profundas. Começa na intimidade das famílias de classe média e alta, com um número de pais cada vez mais desatentos à formação de seus filhos, passa pela miséria e pobreza que ainda castigam as famílias da periferia, e chega até as ruas, com uma polícia despreparada, mal paga e que parece mais preocupada com execuções e vinganças do que em proteger a população. Um rosário de causas imenso, que não caberia aqui.

Concordo com Eliane Brum (revista Época) e sua coluna “Pela ampliação da maioridade moral” , reproduzida aqui ontem. “A realidade mostra que a violência alcança essa proporção porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco”.

De novo, a minha cansativa tecla: educação. Não sou sociólogo e nem entendido do assunto. Mas se o nosso governo deixasse tudo mais para traz e canalizasse todos os esforços para fazer uma revolução educacional de verdade no Brasil, em pouco tempo teríamos uma redução significativa de todas as estatísticas, violência e outras. Aquelas que nos envergonham todos os dias pela manhã na frente do espelho. Ou deveriam envergonhar.

Até lá, vamos vivendo e convivendo com governantes e jovens cada vez mais mercuriais.


SAIBA MAIS



Outros relatórios e informações no site Mapa da Violência

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